Secretária de Educação, Cultura e Esporte afirma que não é contra a implantação
de OSs ou PPPs nas escolas, ressaltando que o processo pedagógico continuará
sob comando de sua pasta

Fernando Leite/Jornal Opção
“Temos 1,2 mil escolas na rede pública estadual e apenas 20 são colégios militares. há famílias que querem que seus filhos passem por uma disciplina mais rígida” | Fernando Leite/Jornal Opção

A professora Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira tem alentadíssimo currículo acadêmico e político, o que a coloca como um dos mais experientes quadros da equipe do tucano Marconi Perillo no governo estadual. Titular da superpasta que engloba Educação, Cultura e Esporte, ela recebeu do governador a missão de implantar um novo modelo de gestão nas escolas da rede estadual, nos moldes do que ocorreu nas unidades de saúde.

Na entrevista que segue, ela fala do que está sendo preparado para a implantação do novo modelo na gestão das escolas, que pode ser via Organizações Sociais (OSs), Parcerias Público-Privadas (PPPs) ou outras propostas. “Estamos estudando para fazer com cuidado e sem atropelos”, diz.

A secretária fala também sobre visita que fez à Coreia do Sul, onde foi conhecer a oitava reforma educacional que está sendo realizada naquele país, um exemplo de priorização com a Educação que resultou em um grande salto de desenvolvimento.

Formada em Letras, mestre pela Universidade de Brasília (UnB) e doutora em Linguística pela Universidade da Califórnia (EUA), a professora Raquel Teixeira já foi secretária de Educação de Goiás e Secretária de Ciência e Tecnologia (2005-2006), também no governo Marconi Perillo. Também foi Secretária da Cidadania em 2007 no governo Alcides Rodrigues. Foi deputada federal pelo PSDB por dois mandatos consecutivos, de 2003 a 2011.

Elder Dias — Seu nome esteve envolvido em boatos sobre demissão, em vídeos que apareceram de pronunciamento na universidade, enfim. Como a sra. avalia sua situação atual no governo Marconi?

Cezar Santos — Dizem que a sra. esteve demissionária algumas vezes, recentemente.
Eu não pedi demissão nenhuma vez e o governador Marconi Perillo também não me demitiu. Agora, várias vozes se manifestaram. Não houve nenhum momento que eu quis sair do governo, desde o mo­men­to que aceitei. Não teve. Exis­tiram várias dúvidas antes de aceitar. Eu demorei muito a tomar minha decisão, meu nome mesmo foi o úl­ti­mo a ser anunciado, quase na véspera da posse. No momento que eu to­mei a decisão de aceitar, eu não voltei atrás. Não sou de desistir das coisas.

Bem, quanto ao início, várias coisas aconteceram. Primeiro, uma insatisfação natural da área cultural pela junção com uma pasta muito grande, pois a aspiração da área cultural a vida toda tinha sido uma secretaria exclusiva e, quando eles tiveram a secretaria, durou um ano e ela acabou. Portanto, houve essa insatisfação. Houve muito contingenciamento violento no início do ano e ainda há; o próprio orçamento de 2015, que tinha sido aprovado em novembro de 2014, a secretária da Fazenda, Ana Carla Abrão, não aceitou e quis fazer o que chamou de “orçamento real”, então tivemos um orçamento definido em maio, aprovado em abril pela Assembleia Legislativa. Esse foi o segundo motivo. Ainda tivemos mudança de regras, por exemplo, no dia 15 de julho devem tomar posse 40 novos subsecretários da educação, que foram pela primeira vez escolhidos por mérito. Houve um curso, uma prova o que, claramente, mexe com a prática de indicação política. Ou seja, algumas mudanças na cultura que mexem.

Ainda assim, eu sempre tive certeza na confiança do governador. Eu aceitei quando ele me disse “eu confio na sra.” e eu sou muito franca, muito transparente e amiga da educação e do governador e, para isso, é preciso essa clareza, o que às vezes gera algum conflito, mas que não me preocupa.

Elder Dias — Particularmente, a sra. tem algum incômodo com a implementação das OSs? Tem alguma restrição?
Tive antes de aceitar, como eu disse, foi parte da minha demora. Quando o governador me convidou, ele me disse que queria que eu aceitasse a pasta da Educação e pensasse na questão das OSs.

Cezar Santos — Até porque ele disse isso em seu discurso de posse.
Foi uma conversa muito franca de minha parte com ele. Eu coloquei as minhas posições e ele, as dele. Assim, chegamos a um consenso: “Eu confio na sra. e quero um sistema de gestão eficiente”. Nós combinamos até de desrotular. Não precisávamos chamar de OSs, de PPP, voucher, subvenção, o que for. Ele quer e ele tem razão, concordo com ele, que uma criança de qualquer nível socioeconômico e de qualquer espaço geográfico de Goiás tenha uma educação com a mesma qualidade que qualquer criança do centro cultural e de famílias ricas. É democratizar o acesso a informação. Como as OSs funcionaram muito bem na Saúde, ele quer tentar esse modelo na Educação.

É muito bom que Goiás tenha um governador com coragem para fazer uma mudança desse tipo, porque é algo polêmico e que sofrerá resistências. É uma mudança que não é simples. Mas o que talvez tenha gerado algum mal-entendido? Primeiramente, eu quero ter certeza de faremos tudo com base em evidências, com qualidade e sem colocar nada em risco. Por isso, até agora, fiquei estudando muito toda a questão.

Em janeiro, estive na Univer­sidade de Stanford, nos Estados Unidos, conversando com o dr. Martin Carnoy e com o dr. David Plank sobre as escolas charter. Eles agora, no fim de julho, retribuirão a visita e estarão em Goiás para que a gente avance na discussão. Recebi deles um relatório substancial e agora posso dizer que tenho em mãos a última palavra que existe sobre a análise das “charter schools” americanas. Eles visitarão universidades — já acertei isso, inclusive, com o professor Orlando Amaral [reitor da Universidade Federal de Goiás] — e conhecerão as áreas de licenciatura e as pesquisas que estão em andamento. Também terá uma reunião interna, com os superintendentes da secretaria. Infelizmente, não poderão visitar as escolas, por estarmos em período de férias. As “charter schools” são um modelo consolidado e estamos estudando bem suas nuances.

Elder Dias — E sobre as OSs?
As OSs precisam de um arcabouço jurídico que nos dê certeza do que vamos fazer. A LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional] é muito rígida em relação a alguns pontos da educação, como gestão democrática, eleição de diretores, participação dos professores no projeto político-pedagógico da escola, entre outras coisas. Como vamos conciliar isso com uma OS? Então, o que estamos fazendo é um estudo cuidadoso.

Podemos falar também sobre as PPPs [parcerias público-privadas]. Será que PPP funcionaria? É uma opção também. Minha ideia é termos em 2016 um piloto de OS e outro de PPP. Quando o governador resolveu expandir o modelo de OS para as unidades de saúde do Estado ele já tinha o Crer [Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo], que já era um modelo de sucesso. Eu quero ter um Crer na educação antes de tomar a decisão, é preciso ter um piloto. No mundo hoje, todos estão fazendo essas experiências.

Cezar Santos — O secretário An­tônio Faleiros [Secretaria Extraordi­nária] disse que começa esse projeto em 2016, por Águas Lindas de Goiás.
Sim, Águas Lindas será esse “Crer”. O secretário deve ter falado em Águas Lindas por causa do estudo que já fizemos e anunciamos.

Elder Dias — E por que a escolha por Águas Lindas?
Porque houve um consenso entre o governo e a prefeitura. Mas, para nós, não faz diferença onde começar. Por mim, começaria por todo o Entorno do Distrito Federal, onde teremos 37 escolas novas. Su­geri que o projeto piloto fosse a to­das elas, porque já nasceriam com o modelo novo. E pode ser que assim ocorra. No momento, a ideia de iniciar por Águas Lindas envolve também o fato de ter unidades novas e unidades já consolidadas para observar como tudo funcionaria.

A Secretaria de Educação já fez o estudo em Águas Lindas e levantou o custo por aluno — até porque para fazer a combinação de preço e saber o repasse que faríamos para uma OS. Para isso há um trabalho minucioso, que envolve o investimento com professores, alunos, alimentação, materiais, etc. O secretário Faleiros esteve comigo recentemente e teremos uma reunião na segunda-feira de que ele vai participar. Ele e o professor Nion Albernaz [ex-prefeito de Goiânia], com quem também já estive, vão se juntar a essa força-tarefa.

Ambos têm muita consciência de quem conduzirá o processo é a Secretaria da Educação, mas querem contribuir: Faleiros, pela experiência que teve na Secretaria da Saúde quando começaram a ser implantadas as OSs, no mandato passado; e Nion, por ter acompanhado as OSs na área da saúde esse tempo todo e, também, por ser um professor, por entender do tema.

Portanto, não há nenhum atropelamento, mas, sim, uma força-tarefa trabalhando, com gente da Casa Civil, da PGE [Procuradoria-Geral do Estado], da Controladoria, da Educação, além desses nomes que citamos. Temos tido também a consultoria do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A gente está fazendo um estudo bem-feito, porque entende que não temos o direito de errar nessa questão. Minha objeção é só ao fato de fazer alguma coisa atropelada.

Cezar Santos — A impressão que passa é de que os professores são contra as OSs e que a sra., por também ser professora, ideologicamente acompanharia esse posicionamento. Há quem diga isso.
Essa ideia de que os professores sejam contra as OSs eu preciso comprovar. Eu confesso que até achava que seria assim, mas estou surpresa sobre como os próprios professores estão cobrando medidas. Tem subsecretário que chega para mim e diz “professora, como está a questão das OSs, das PPPs?”.

Já conversei com a Bia [de Lima, presidente do Sintego — Sindicato dos Profissionais da Educação no Estado de Goiás] e o sindicato aceita a ideia das PPPs para construção e reforma, além de manutenção, vigilância e segurança das escolas. Penso que esse seja o caminho. Na hora em que tirarmos dos ombros da direção das unidades a preocupação com o funcionamento da descarga do vaso sanitário para que possam centrar o foco nas questões verdadeiramente pedagógicas, aí sim, veremos progressos.

Elder Dias — As OSs não interferirão no planejamento pedagógico das escolas?
De forma alguma. Seja com OSs ou com as PPPs, a orientação pedagógica será da secretaria.

Elder Dias — Então não tem por que temer que o sistema com OSs atropele a LDB.
É por isso que estamos construindo todo o processo com muito cuidado. Não vamos fazer nada com atropelo. As chamadas para a implantação de OSs terão de definir muito claramente as linhas norteadoras de trabalho, o que será feito pela secretaria. Serão selecionadas somente aquelas que se enquadrarem nas orientações da Secretaria da Educação.

galeriaElder Dias — Então, o problema é menor do que se pensa, tanto com professores como com o próprio sindicato?
Sim, muitos professores mostram uma expectativa muito grande com a implantação das OSs. Eles visitam os hospitais onde há OSs e ficam encantados. Uma discussão que está em jogo, talvez seja entre o que é público e o que é estatal. E o mundo está evoluindo — não só no Brasil, mas em todo lugar — para a manutenção da estrutura pública, mas não necessariamente tocada pelas mãos do Estado.

A Inglaterra tem um sistema que envolve as escolas públicas tradicionais; as “academias”, que têm mais autonomia, mas onde tudo é público; tem as “free schools”, com mais liberdade de ação ainda, mas também com dinheiro público; e tem também as escolas vocacionais. Agora, estão criando o que chamam de “federação”. O que é isso? Uma di­retoria tomando conta de várias escolas, semelhante a algo como uma OS.

Portanto, o mundo está caminhando — e vamos testar isso em Goiás — para um modelo diversificado, com PPPs, OSs etc., mas sempre com recursos públicos, com escola gratuita e orientação da secretaria. A gestão do dia a dia é que pode ser facilitada com o apoio de uma entidade dessas.

O Plano Nacional de Educação (PNE) exige que o diretor seja eleito, que haja uma gestão democrática. A missão do professor é facilitar o processo de aprendizagem do aluno. Se o diretor eleito se concentrar na parte pedagógica e a OS da mesma escola tiver um diretor administrativo para cuidar de manutenção, limpeza e vigilância, isso não vai atrapalhar o foco pedagógico do diretor, pelo contrário. É isso que temos de aprender. Isso tem de ficar muito claro no chamamento das OSs.

Cezar Santos — A Assembleia Legislativa aprovou recentemente a criação de mais oito colégios militares. Essa militarização é vista de que forma? É uma antecipação do que poderia ser o trabalho das OSs?
Não considero assim. A primeira escola militar foi criada em 1999 ou 2000, quando eu era secretária, e nasceu no bojo de um espírito democrático que era o seguinte: o sistema público, para ser democrático, precisa ter perfis diferentes de escolas. Um exemplo: as famílias espíritas me pedem para que seus filhos estudem no Colégio Emma­nuel; as famílias católicas gostam que seus filhos estudem em colégios como o Claretiano; as famílias evangélicas desejam que seus filhos estudem no Ipê [Instituto Presbiteriano de Educação]. Algumas famílias, por outro lado, querem que seus filhos passem por uma disciplina mais rígida. Então, o colégio militar veio mais ou menos nessa ideia.

Ocorre que, seja por uma razão ou outra — o trabalho dos pais, falta de autoridade com os filhos, etc. —, houve uma demanda enorme da população pelos colégios militares. Gostam que seus filhos tenham disciplina, que tenham resultados, as crianças têm orgulho do uniforme que usam, gostam do espaço físico para esporte e para música, com a participação em bandas. Os colégios militares têm recursos da Educação e da Segurança Pública e há uma demanda por todo o Estado. Eu fui deputada federal por oito anos e aonde eu chegava, até hoje, a primeira coisa que me pedem é a implantação de um colégio militar.

Elder Dias — Isso também é um sinal da sociedade, não?

Cezar Santos — É algo que a sra. considere negativo?
Não, penso que as famílias têm direito de escolher. Mas não é um modelo para ser expandido pelo sistema todo e não é um modelo de OS.

Elder Dias — E, pelo custo de cada colégio militar, nem teria como, no momento.
Temos 1,2 mil escolas e temos apenas 20 colégios militares. É assim no mundo todo. As próprias “charter schools” são apenas 6% da rede de ensino. Mesmo sendo uma boa escola, nunca ocupará todo o sistema. O povo norte-americano é o mais pragmático do mundo: se as “charter schools” fossem a solução para todos os problemas, não é verdade que elas seriam 100% da rede? Mas não são, não para todos. Têm famílias que gostam de “charters”, têm famílias que gostam de uma escola mais religiosa, outras, de uma escola mais disciplinadora.

Na sociedade de hoje, todos chegaram à escola. Quando eu fiz o correspondente ao ensino médio, em Goiânia, meu irmão estudava no Lyceu e eu no Instituto de Educação (IEG). Éramos parte dos 10% da população que chegava ao ensino médio. Era mais fácil para o sistema dessa forma. Hoje todo mundo chegou lá, cada um com uma história de vida, acessos aos bens culturais e educacionais de forma bem diversa. A demanda é muito diversificada também, na sociedade de hoje, mudaram os padrões de casal, de família, de roupa, de música.

Veja o caso do cantor Cristiano A­raújo, quantas pessoas não o co­nheciam e ele fazia muito sucesso. Es­sa sociedade diversificada não de­manda mais homogeneidade. A es­cola não pode ter a pretensão de ser um sistema homogêneo. É preciso ter modelos de escola que representem os diferentes anseios das diversas famílias. Não adianta achar que um modelo deve servir para todos.

Cezar Santos — Poucos se lembram, mas a sra. também é secretária de esporte e cultura. O Centro Cultural Oscar Niemeyer está funcionando bem. Mas e Vila Cultural Cora Coralina? As pessoas nem sequer entendem bem o propósito do local.
O governador Marconi Perillo e o prefeito Paulo Garcia (PT) acertaram que o Teatro Goiânia e a Vila Cultural vão funcionar em convênio. Está demorando um pouco porque nós estamos redigindo os termos dessa parceria. A Vila vai funcionar e bem. Ela está funcionando. Sempre há exposições lá. O que é necessário é que haja uma intensidade maior de funcionamento. Acontece o seguinte: a prefeitura tem pessoal, políticas e desejo de fazer cultura, mas não tem espaços físicos. O Estado tem espaços físicos, mas às vezes tem dificuldades orçamentárias, sobretudo nesse momento de ajustes fiscais. Então, a forma que encontramos de oferecer à população uma vida cultural mais intensa foi juntar forças.

Elder Dias — A sra. pensa em voltar para a vida político-partidária?
Não. Estou muito envolvida com a política, mas a política educacional, política cultural e política esportiva. Pelos próximos três anos estou comprometida com a estruturação da secretaria de Educação, Cultura e Esporte. Acho que tenho uma ambição de deixar essas três áreas bem encaminhadas. Enfrentei muitos problemas nesse início de semestre pelo contingenciamento, pela cultura local do dia a dia, mas tenho confiança absoluta de que nos quatro anos do governo Marconi Perillo vamos deixar um legado muito importante nas três áreas.

Cezar Santos – Está programado um grande evento esportivo em Goiânia?
No ano que vem teremos um grande evento internacional: o Mundial Universitário de Futsal, que acontecerá em Goiânia. Aproveitei a viagem à Coreia para convidar as federações da América Latina e parece que todas as federações estão interessadas em vir. Vamos receber, entre os dias 22 e 24 de agosto, vai acontecer a primeira visita de fiscalização da comissão internacional, que vem ver os espaços onde irão acontecer os jogos. Então, embora não tenhamos essa tradição de um esporte universitário, esse evento tem uma dimensão muito grande e já está garantido. Já estamos nos preparando, por exemplo, para fazer um material explicativo acerca de todos os espaços esportivos que temos, e visitar embaixadas para que as delegações dos Jogos Olímpicos ve­nham fazer treinamento aqui, sobretudo com a inauguração do Centro de Excelência. Faremos um investimento agressivo nessa captação, pois Goiás precisa estar nesse circuito.

“Coreia está na 8ª reforma educacional; nós, na 1ª ”
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Secretária Raquel Teixeira: “O Brasil foi o país que em menor tempo aumentou a escolaridade média da população”

Alexandre Parrode — A Coreia do Sul está fazendo uma nova reforma educacional. A sra. foi visitar o país dentro desse contexto. Como a sra. avalia o que observou por lá?
Fiquei dois dias em Seul por conta dessa discussão sobre educação. Além do Ministério da Educa­ção, a Coreia tem vários institutos de pesquisa, de desenvolvimento, de planejamento educacional. O mais importante deles, cuja sigla é Kedi [Korean Educational Development Institute]. Esse Instituto de Desen­vol­vimento Educacional da Coreia é o órgão “think tank” [organização ou instituição que atua no campo dos grupos de interesse, produzindo e difundindo conhecimento sobre assuntos estratégicos] que pensa, concebe, planeja, implementa e avalia a educação, separado do ministério da Educação, mas ligado diretamente à presidência da república. É um órgão que tem um estatuto bem importante. Fui recebida pelo próprio presidente do Kedi, ficamos muito tempo discutindo.

A Coreia está fazendo sua oitava re­forma curricular, enquanto nós no Brasil estamos tentando fazer a primeira. É bom traçar um rápido histórico para explicar. Depois da guerra, em 1945, eles chegaram à conclusão de que para mudar o país tinham de investir na educação. Dez anos depois implementaram o primeiro plano. De 1955 para cá, a cada cinco ou dez anos eles reavaliam, então já estão no sétimo ou oitavo. Eles pensam que, se o mundo muda, então a educação também muda para acompanhar.

Alexandre Parrode — E como lá eles mudam a educação?
A última mudança que os coreanos fizeram agora vai numa linha muito interessante, muito à frente de tudo o que a gente está pensando aqui. Eles entendem que o mundo hoje é uma economia criativa. A inovação é pensada não no sentido de talentos isolados aqui e ali, gerando conhecimento e produtos novos, mas como processo coletivo. Eles chamam isso de economia criativa. E aí não querem alguns poucos talentos, mas sim uma sinergia coletiva de todos construindo inovações. As palavras de ordem são comunicação, colaboração e criatividade, trabalhando isso na escola. Eles têm clareza de que passou o tempo em que eles corriam para comercializar, mais rapidamente que todos, o que alguém inventava. Esse conceito de “fast” mudou para “first mover”, algo como fazer o jogo, ser o primeiro a fazer. Eles não querem mais copiar nada, mas criar o futuro do mundo. Por isso, a reforma foi toda baseada em como criar cidadãos criativos para pensar o mundo. É um conceito de inovação coletiva muito diferente do conceito individual que temos, de um ou outro talento isolado inventar as coisas.

E ampliando isso numa dimensão nacional, como política de Estado. A reforma educacional mais recente deles se deu no sentido de criar na escola condições não de os alunos saberem as informações apenas, mas para eles criarem, estimulando a criatividade, o pensamento, a reflexão, que é um tipo de abordagem diferente do que a Coreia sempre teve, que era maciçamente estudar, estudar, estudar. Tanto que o aluno lá estuda 16 horas por dia.

Alexandre Parrode — Mas tem como trazer essa prática para o Brasil, para Goiás especificamente?
Pode ser trazido o exemplo de disciplina absoluta que eles têm, de um sistema completamente planejado, implementado, avaliado e aperfeiçoado o tempo todo. Isso nós podemos seguir como modelo, é uma lição importante. Eles têm uma cultura da obsessão pela educação, e isso, infelizmente, não temos como mudar aqui, pelo menos no curto prazo. É o que eles chamam de “febre da educação”, a “education fever”. As famílias coreanas estão convencidas de que tudo na vida pode e deve ser sacrificado em função da educação de seus filhos.

Cezar Santos — Mas isso de estudar 16 horas por dia não pode se um exagero em certas circunstâncias?
Sim. Eu conversei com algumas pessoas comuns que disseram isso. Uma criança não pode estudar 16 horas por dia e só pensar nisso, nessa obsessão pela educação. O próprio presidente do Kedi me disse: “Olha, a educação é a nossa pauta aqui. Se você dormir quatro horas por noite, você tem chance de ter sucesso na vida. Se você dormir cinco horas por noite, você vai fracassar na vida”.

Essa última mudança no plano deles parece que dá um relaxamento no sentido de não estudar, estudar, estudar obsessivamente, mas dá até um tempo para refletir, para pensar, para criar e inovar. Há uma mudança de foco interessante nesse aspecto. Vamos ver o que vai acontecer, porque eles estão apenas no início dessa mudança; por enquanto, é aquela obsessão de 16 horas de estudo por dia.

Cezar Santos — Em termos práticos, há como trazer algo do que eles preconizam no curto ou médio prazo?
Em nenhum lugar do mundo há um modelo que se pode transplantar para outro lugar. Cada país é uma cultura, é uma realidade e tem suas especificidades, seus valores sociais. O que essa viagem nos proporciona é a oportunidade de ver outros modelos que, diante daqueles valores, está trabalhando a criatividade, a comunicação, a colaboração, o esforço da inovação coletiva. E tudo isso é inspiração pra gente. Um país que tem estratégias claras de metas a serem alcançadas, um sistema de avaliação rigorosíssimo, em que todos os níveis do processo educacional são avaliados: alunos, professores, diretores, secretários. Mesmo as autoridades locais ligadas à educação são periodicamente avaliadas e a permanência delas na atividade está determinada por essa avaliação.

Elder Dias — No Brasil, na política educacional, a sociedade pouco é envolvida. A grade curricular, por exemplo, é discutida basicamente por poucos professores. Lá existe um pensamento de maior amplitude social no debate dessas questões?
Existe sim e é muito característico da cultura. A gente fala que a participação de pais é importante na vida escolar dos filhos. Cada cultura tem uma interpretação disso. Nos Estados Unidos, por exemplo, as famílias participam muito da vida da escola, mas mais na organização de festas para levantar fundos para a escola, dão dinheiro, organizam jogos, é uma participação mais social. Já os pais coreanos raramente vão à escola dos filhos, mas eles acompanham em casa. A mãe, enquanto faz o jantar, pergunta ao filho o que ele aprendeu no dia, toma tabuada… Eles têm uma vivência constante, tanto que é comum, em dia de prova, as avós dos alunos na janela da escola, animando as crianças, como uma torcida. Isso mostra o envolvimento da família da forma correta. É algo nada a ver com a nossa cultura. Na minha experiência, às vezes a mãe diz que não estudou, por isso não consegue ajudar o filho nas lições, mas só de perguntar a ele como foi o dia na escola, o que ele aprendeu, já é uma ajuda. As famílias brasileiras tem pouco essa tradição de conversar com seus filhos sobre o que eles fazem na escola, mesmo as famílias mais ricas. Se você conversar com uma mãe, ela vai saber o nome do pediatra do filho, mas provavelmente não sabe o nome da professora dele, ainda mais se for mais de uma. A família brasileira não se envolve na vida escolar de seus filhos. E isso nós precisamos estimular, porque faz a diferença. Os coreanos têm, obstinadamente, esse envolvimento.

Elder dias — Há pouco a sra. falou do exagero com a educação na Coreia. Isso está na base de depressões, suicídios de jovens?
Conversei com um garçom, e ele disse que há jovens agressivos por causa dessa pressão, eles sentem que não têm o perfil, não são talhados para o modelo de sucesso que a sociedade coreana exige no aspecto educacional. Então acho que temos de aprender também com esse exagero e não ir apenas por esse caminho. A educação tem de mudar de acordo com a mudança do mundo, claro, mas educação, para mim, é preparação para a vida, e a vida é mais, às vezes, que uma nota de matemática, uma nota de português, do que desempenho escolar.

E estamos avançando muito nisso, inclusive no Brasil. Faço parte de um projeto recente, de maio deste ano, chamado Edulab 21, é um laboratório de ciência da educação para o século 21, capitaneado pelo Instituto Ayrton Senna. Esse projeto nasceu da vinda, há três anos, a convite do instituto, do economista da Universidade de Chicago James Heckman. Trata-se de um prêmio Nobel de Economia (ano 2000), pelos modelos teóricos que ele construiu de mensuração de políticas sociais e educacionais. Pisa [Progra­ma Internacional de Avaliação de Alunos], Ideb [Índice de Desenvol­vimento da Educação Básica], Prova Brasil [Avaliação Nacional do Rendimento Escolar-Anresc], tudo o que se faz no mundo hoje de avaliação de educação é baseado no trabalho de James Heckman.

Elder Dias — E isso é positivo?
Para minha enorme surpresa, a primeira vez que o conheci, em São Paulo, ele começou falando da preocupação com os desdobramentos do seu trabalho. Em muitos lugares do mundo, Educação virou sinônimo de nota em línguas e matemática. Isso é empobrecer o processo educativo. Traduzir educação por uma nota é empobrecer. Até porque Harvard tem feito o acompanhamento dos egressos dos cursos e a nota não é o definidor do sucesso na vida. Há 20 anos eles começaram a acompanhar os egressos no curso de Direito, um dos melhores do mundo. Eles acompanharam dois estudantes com QI e nota final semelhante, um deslanchava e o outro não. Eles ficaram preocupados, já que se chegou ao questionamento se não estavam preparando para além da vida profissional. Mais do que o conteúdo do que o curso ensinava, a inserção plena na sociedade se devia não às características cognitivas, o conhecimento era o mesmo, mas as características não cognitivas, que nós chamamos também de sensibilidades socioemocionais, como disciplina, resiliência, abertura para o novo e sensibilidade para novas ideias e mudanças. Há uma ligação dessas características socioemocionais e o equilíbrio na vida emocional, dependências químicas, álcool e tabagismo.

Então o que este Edulab está fazendo? Sob a orientação de James Heckman e coordenado em São Paulo por Ricardo Paes de Barros, um economista conhecidíssimo, ex-ministro da presidente Dilma Rousseff para Assuntos Estratégicos, o Edulab tem três aspectos. Um se chama Novas Ideias, implementação dessas novas ideias no ensino público, e depois de analisado transformar isso em políticas públicas.

Frederico Vitor — E para onde caminha esse trabalho?
O objetivo do Edulab é testar novas ideias, formar e transformar novos modelos educacionais. Tem corpo técnico da mais alta qualidade. O Instituto Ayrton Senna criou u­ma cátedra na Universidade da Bél­gica e na Universidade da Califór­nia, um corpo de pesquisadores e um conselho de secretários de E­du­cação: Rio, Ceará, Santa Cata­rina, Pernambuco, Acre e Goiás.

Fico lisonjeada, porque são considerados secretários inovadores e o convite é independentemente do mandato. O Ideb é a mensuração que temos e que somente mede a parte cognitiva, não a autonomia e disciplina como na Coreia do Sul. Isso também pode ser medido. A ideia é de que o ser humano fosse um avião com duas turbinas, ou seja, habilidade cognitivas e socioemocionais. A boa notícia é que podemos trabalhar isso na escola.

Cezar Santos — Como saímos desta fase de formulação para a implementação real?
O Rio de Janeiro já tem um piloto, e Goiás vai entrar na fase de um terceiro projeto de avaliação. Não tem como passar por essa fase de implementação de avaliação. O tempo da política é diferente do tempo da educação. Por isso os institutos participam do terceiro setor, que não tem o tempo da política. Os Estados não têm essa elasticidade.

Elder Dias — O tempo dos professores também cabe no tempo de governo?
Pode ser, nem que seja para fazer agora para usufruir lá na frente. A Coreia do Sul, que está “arrebentando” na educação, está neste processo desde 1955. Se compararmos a partir de 1960, Coreia do sul e Brasil eram muitos semelhantes, dois países muitos parecidos, mas com todas as perspectivas promissoras ao lado do Brasil. O Brasil tinha mais expectativa e chances de se deslanchar do que a Coreia. Eles deram um salto e atribuem exclusivamente ao que eles fizeram na educação, mas desde sempre atrelaram a educação ao desenvolvimento econômico. Não era educação, pela educação. Eles tiveram esta clareza, deram um salto fantástico.

Elder Dias — Nestes 60 anos nós não avançamos? Em que estágio estamos?
O Brasil, nestes 60 anos, perdeu 40. Mas de 20 anos para cá, avançamos muito, e fizemos progresso.

Elder Dias — No período da redemocratização também perdemos?
O Brasil começou avançar quando o foco passou ser educação básica. Em todos os países para dar certo, com o Canadá, Austrália e Finlândia, eles tem três coisas combinadas. Primeiro: uma decisão política forte. Segundo, uma sinergia da sociedade e das famílias de que aquilo é importante e deve trabalhar juntos para aquilo. O Brasil tomou uma decisão importante nesse sentido, até então todos os recursos eram voltados para as universidades. O marco para nós é este período, 1994, 1995 e 1996, com toda criança na escola. A criação do Fundef [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério] foi importante. Mas não temos ainda uma sinergia de um trabalho colaborativo unindo União, Estados, municípios e famílias numa mesma meta. Não conseguimos construir essa harmonia. Portanto, o processo para nós é muito difícil.

Para um garoto aprender fração, no terceiro ano, em uma escola de Rubiataba, é preciso a presidente da República, determinando qual o orçamento da Edu­ca­ção; precisa do Congresso Na­cional, definindo as leis sobre a idade com que a criança vai para es­cola, a obrigatoriedade de horas; pre­cisa do governo dos Estados, de­finindo orçamento, carreira do professor, salário; precisa da sociedade e aí se encontram as universidades, as ONGs, a sociedade toda se envolve e contribui; precisa de cada escola com seu projeto po­lítico, pedagógico, com os livros que adota, precisa da liderança de uma diretora; precisa da capacidade de cada professor.

Para imaginar o quanto o processo educacional é complexo, é preciso ver que uma criança com seus 10 anos, que sai do quinto ano e só teve uma professora, a “tia”, que cuidou de tu­do.

E­la entra no sexto ano, tem um professor de matemática, um de português, um de geografia, de his­tória e cada um com uma personalidade, uma formação, um nível de compromisso, ou seja, a criança lida com isso, tem que respeitar isso e cada aluno tem uma personalidade, uma família que se envolve de maneira diferente.

Elder Dias — E se complica mais.
Nisso, vem o MEC com um sistema de avaliação para algo que, na maioria dos casos, a professora nem sabe o que é, nem tem ideia que o aluno vai ser avaliado por aquilo. Ela faz um curso na universidade, onde aprende conceitos teóricos e chega à escola, a diretora entrega um livro para ela e diz que o livro didático é aquele. O índice do livro se torna o currículo, pois não existe um definido. Se ela cumpre 30%, 40% ou 100% daquele currículo, também não tinha controle algum. Agora o Brasil tem um sistema de educação que acompanha, que cria um currículo nacional, uma base nacional comum que dá a uma criança que nasce no Amazonas ou no Acre, Porto Alegre ou em Minas, o direito de aprender as mesmas coisas do conhecimento universal. Por que há um conjunto de conhecimento acumulado pela humanidade que é básico a todos, e todos devem ter uma noção dele. Portanto, uma base nacional comum é uma questão de direito, uma questão democrática. Nós não podemos deixar que uma criança dependa de onde ela nasceu. Isso é injusto, é inequidade.

Então, o currículo base dá, pelo menos, esse mínimo de conhecimento a que todos têm direito. Portanto, avançamos quantitativamente em 20 anos, está quase universalizado o ensino fundamental, crescendo o infantil e o médio. Estamos caminhando. O Brasil foi o país que, em menor tempo, aumentou a escolaridade média da população. Em média, um país leva dez anos para mudar um ano da escolaridade média. O recorde era de Xangai, hoje é do Brasil, fomos o país que aumentou, em menor tempo, a escolaridade: de quatro para sete anos. Somos também o que aumentou, em menor tempo, o número de alunos no ensino médio.

“Avançamos na educação, mas não se faz milagre”

Elder Dias — Ainda assim, esses índices não podem ser maquiados, por exemplo, em questão de qualidade? Avançamos com a mesma qualidade de outros países que demoraram mais tempo?
Todos os países passam pela discussão entre qualidade e quantidade. É inevitável e é claro que o avanço mais rápido é o da quantidade. A qualidade vai acontecendo depois. Não tem como, pois é um processo que todos os países passaram e ainda acontece em vários lugares do mundo. Nós avançamos em quantidade e estamos tentando avançar qualitativamente. Pois, a qualidade implica a formação do professor, na carreira, em material pedagógico, apoio.

Cezar Santos — Como está a questão do combate ao analfabetismo em Goiás?
Nós estamos retomando esse assunto com muita prioridade. Ele andou meio esquecido, os EJA [Educação de Jovens e Adultos] e AJA [Alfabetização de Jovens e Adultos] se apagaram. Nós estamos com um processo de retomada de EJA e de um trabalho maciço de alfabetização, que está terminando de ser elaborado na Secretaria da Educação. É uma crueldade com essas pessoas, pois não pode deixar que o índice de analfabetismo seja corrigido à medida que as pessoas vão falecendo. É um absurdo. Portanto, retomaremos com vigor essa questão no segundo semestre.

Elder Dias — Qual o índice de analfabetismo da população?
Da população no geral é 9%, já da população adulta é acima de 15% e os valores estão na média nacional. Goiás está, mais ou menos, como os demais Estados brasileiros. É a média, pois o Nordeste é muito diferente, o Sul também. O que também acontece em Goiás quanto ao sul, norte do Estado. Mesmo nas regiões do Estado existem essas divergências.
É bom que as pessoas entendam a complexidade da educação. Não dá para dizer que está tudo ruim. Nós avançamos e avançamos muito, só não fazemos milagre. Não existe varinha de condão.

Elder Dias — O problema é que avançamos muito e a tecnologia muito mais rápida. Pois, enquanto estamos solucionando o problema do analfabetismo convencional, nós temos uma onda de analfabetismo funcional com a internet que é muito complicada.
O Brasil, simultaneamente, tem demandas não atendidas do século 19 e hoje enfrenta os desafios do século 21. Portanto, esse é o nosso “x” da questão.