Saiba mais sobre Frei Tito: o religioso brasileiro que a ditadura levou ao suicídio
25 outubro 2023 às 10h05
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Frei Tito foi preso político e lutou pelos direitos humanos. Neste 25 de outubro de 2023, o Jornal Opção relembra a história do religioso e ativista político que foi preso, perseguido pela ditadura militar e se tornou símbolo na luta pelos Direitos Humanos. Essa matéria foi originalmente publicada em 11 outubro 2014 . Chega hoje, 25, ao Senado projeto de lei que institui o Dia da Democracia, em referência ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog pela ditadura brasileira.
Quase 50 anos depois do assassinato de Vladimir Herzog, em 1975, nas dependências do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo, as ameaças à democracia brasileira continuam ativas, mas vestem outra roupagem. Por isso, é sempre importante fazer o exercício de memória desse período. Leia mais:
“Um Homem Torturado — Nos Passos de Frei Tito de Alencar” (Civilização Brasileira, 418 páginas), de Leneide Duarte-Plon e Clarisse Meireles, amplia a bibliografia sobre o pós-1964. As jornalistas fazem um relato preciso, raramente ideologizado, sobre as agruras do frei dominicano que, apaixonado pelo marxismo, decidiu colaborar com a esquerda armada (a ALN de Carlos Marighella) com o objetivo de “derrubar” a ditadura civil-militar.
O envolvimento de frei Tito com a esquerda é fartamente documentado pelo livro. O religioso acreditava que a “construção” de um país mais igualitário se daria por meio de uma revolução socialista. Ele tinha dúvidas e, depois, fez uma autocrítica que, hoje, tem sido levada em consideração por historiadores categorizados, como Denise Rollemberg e Daniel Aarão Reis Filho. Além de não ter o apoio da sociedade — sobretudo das massas —, o que se propunha, entre as organizações da esquerda armada, não era uma “revolução democrática”. O que se pretendia era arrancar uma ditadura, a dos militares e políticos de direita, e instalar uma outra ditadura, a de esquerda, no poder.
Nos pós-64, notadamente entre 1968 e 1974, dois discursos ditatoriais, o da direita e o da esquerda, lutaram pela hegemonia político-militar. Perdeu aquele agrupamento, o da esquerda, que reunia menos forças militares.
Pelo fato de que os aliados de frei Tito lutavam para implantar uma ditadura, a do proletariado, a tortura a que foi submetido é justificável? Numa guerra, acredita-se, todas as armas valem e as convenções de Genebra raramente são respeitadas. Num livro recente, o britânico Antony Beevor, um dos mais importantes historiadores da atualidade, conta que, durante a Segunda Guerra Mundial, militares japoneses prenderam soldados americanos, colocaram todos numa espécie de curral, e frequentemente um era arrancado de lá e devorado. O canibalismo tinha alguma justificativa? Nenhuma, pois os americanos, inteiramente submetidos, não ofereciam qualquer perigo aos seus captores. Era, por assim, a velha maldade gratuita. Sadismo.
No caso específico de frei Tito, a tortura que o abalou a tal ponto que, no exílio na França, decidiu se suicidar, depois de longo calvário, tinha alguma justificativa? Nenhuma. Quando o frei Tito foi preso, os militares tinham controle quase total da situação e os frades dominicanos que mantinham contato com Carlos Marighella — morto pelo grupo do delegado Sérgio Paranhos Fleury — estavam presos e não tinham mais como manter contatos externos com guerrilheiros. Barbaramente torturado, o frei Tito revelou poucas coisas aos seus captores. O pouco que contou deixou-o atormentado.
Se a equipe do Sérgio Fleury, que tinha sua Gestapo particular na ditadura, atuando com grande autonomia e proteção dos militares, notadamente da Marinha, queriam arrasar o frei Tito psicologicamente, destruindo-o como ser humano, conseguiu. Além de torturá-lo com extrema violência, os policiais da equipe do delegado diziam que o religioso, por ter “aberto” algumas informações — no geral, informações que foram pouco úteis aos investigadores —, seria considerado, doravante, um “traidor” por seus companheiros.
Libertado, depois do sequestro de um embaixador, Tito foi para a França. A terra de Descartes, Flaubert, Proust e Sartre recebeu não mais um homem inteiro, saudável, mas um farrapo humano. Leneide Duarte-Plon e Clarisse Meireles contam que várias pessoas, religiosas ou não, tentaram ajudá-lo. Mas não adiantava. Sérgio Fleury, ao pisotear seu corpo, passara a possuir sua alma. O frei Tito o via por toda parte e acreditava que estava sendo seguido pelo delegado. O policial continuou a torturá-lo mesmo quando não estava torturando-o física e presencialmente.
Apaixonado pelo Brasil, sobretudo por seu Ceará natal, o frei Tito não se adaptou à França, apesar de receber um apoio firme e abnegado de religiosos da Igreja Católica. Cada vez mais “assediado” por Sérgio Fleury, que havia se tornado sua sombra, o frei pegou uma corda e se enforcou. Havia se livrado de si e daquele que se transformara num poderoso “vírus” incrustado no seu “sistema de defesa”. A tortura destruiu o homem, transformando-o em cacos que, apesar do esforço dos amigos e médicos, não se pôde mais juntar e colar. A mente de Tito estava contaminada pelo “vírus” Fleury de maneira incontornável. A morte livrou o frei de Fleury, das lembranças da tortura.
O livro é valioso, com uma pesquisa rigorosa, ainda que lacunar, porque a história do período pós-64 e mesmo a história do frei Tito ainda estão sendo contadas, com dados novos surgindo com frequência dos arquivos públicos e privados.
Sobretudo, é possível concluir que as ditaduras, de direita ou de esquerda, são nefastas e destrutivas para os indivíduos. Até para seus integrantes.
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