Almir Turisco de Araújo e a antiga tradição política
24 agosto 2022 às 17h14
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Almir Turisco de Araújo chegou aos 102 anos de idade. Esteve na vivência segura e florida na totalidade de uma vida mais que centenária, que tão poucos alcançam nesse mundo. Viver mais de cem anos não é para qualquer pessoa. Almir Turisco obteve essa graça pelo seu imensurável merecimento, nas bênçãos da Divina Misericórdia.
Ele, na veneranda altura de seu centenário, representou, nas contradições e desacertos políticos desse nosso mundo atual, a autêntica liderança que jamais usurpou o dinheiro público com deslealdade, pois, a exemplo de outros de seu tempo como Venerando de Freitas, Ana Braga, Julieta Fleury, Ursulino Leão, José Luciano da Fonseca, Hélio de Britto, Pedro Ludovico, não enriqueceu ilicitamente ao ocupar uma função pública; e viveu de cabeça erguida na mais completa dignidade.
Viveu com o que ganhou e, confiante, chegou aos mais de cem anos podendo sorrir para todos e contemplar os próprios passos na limpa estrada que trilhou.
Mesmo com todas as limitações inerentes dos janeiros que acumulou, teve o semblante tranquilo de quem fez o que podia fazer nesse mundo.
Ele veio do alto sertão da Bahia, na perdida cidade de Macaúbas naquele tempo, bem próxima da Chapada Diamantina, perto das minas de prata de Moribeca, decantadas pelo gênio literário José de Alencar e onde, ainda hoje, se extrai a maior quantidade de chumbo do mundo. Foi nessa terra, outrora castigada e pobre, que, em 19 de julho de 1916, numa quarta feira, pelas quatro horas da madrugada, nasceu Almir Turisco de Araújo.
Rosa Turisco de Araújo, sua mãe, era filha de Vicente Antonio Turisco, imigrante italiano que aportou em Salvador em 1870 e de Maria Sophia do Rego Turisco. O nome “Turisco”, outrora “Tedesco”,vem da Calábria, na Itália. Rosa Turisco de Araújo foi casada com José Trajano de Araújo, também baiano, advogado provisionado, fazendeiro e comerciante em Macaúbas-BA. Ele faleceu em Jataí-GO no ano de 1934. Rosa Turisco passou a viver em Anicuns, onde faleceu em 1943.
Desse cadinho, veio ao mundo Almir Turisco de Araújo.
Nessa pequena cidade de Macaúbas, ele fez o curso primário e, aos 13 anos preparou-se para o Exame de Admissão na cidade de Caitité, mas, por falta de recursos, precisou retornar ao lar paterno para ajudar a cuidar da família. Em 1931, com a idade aumentada, passou a exercer a função de professor rural da Fazenda Bela Sombra, no município de Anchieta; antigamente denominado Bom Jesus do Rio das Contas, nomeado com parcos vencimentos, mas que eram úteis ao cuidado que necessitava dar aos pais e irmãs.
Já no ano seguinte, 1932, foi nomeado Porteiro Zelador da Prefeitura Municipal de Anchieta, no período em que por lá era Prefeito o Padre Manuel Joaquim de Santana. Por convite desse mesmo padre, em vista de suas dificuldades, passou a residir na casa paroquial e ali dar prosseguimento a seus estudos.
Por convite de sua mãe, Rosa Turisco de Araújo, resolveu mudança para a próspera cidade de Jataí, no Estado de Goiás, onde já vivia seu irmão, Tancredo de Araújo, que era comandante das tropas revolucionárias da Revolução de 1932 e possuía bom relacionamento no oeste brasileiro, notadamente na região do Sudoeste, entre as cidades de Jataí, Mineiros e Rio Verde.
O primeiro trabalho de Almir Turisco de Araújo em Goiás foi como balconista do bar do irmão em Jataí. No ano de 1933 chegaram da Bahia o seu pai e as suas irmãs. Novamente a família estava reunida, mas por pouco tempo.
No ano de 1934 faleceu seu pai e em busca de amparo à mãe e irmãs, partiu para os garimpos de Mato Grosso, nas decantadas minas de Guiratinga, esperando bamburrar. Também ali montou uma pensão familiar para ter alguma renda e foi nomeado, por seus conhecimentos, Tesoureiro Contador da Prefeitura Municipal de Guiratinga, na gestão do então prefeito Celso Lacerda de Azevedo. Chegou o Estado Novo e, com ele o prefeito foi deposto e, por conseguinte, também Almir Turisco de Araújo.
Nesse tempo, em 1937, faleceu seu irmão e grande amigo Tancredo de Araújo a serviço do Estado de Goiás. Foi um duro golpe para toda a família.
Sem outras possibilidades de recursos, Almir Turisco de Araújo seguiu para os garimpos de Poxoreu em busca de melhores dias, mas sem sucesso.Em 1939,foi para os garimpos de Paranaíba e o Tijuco, onde foi nomeado Inspetor de Quarteirão em Rochelândia. Mas, a Segunda Guerra Mundial havia irrompido e outras dificuldades vieram; somadas à grande violência que reinava nessa região.
Com todas as dificuldades, Almir Turismo não esmoreceu!
Cansado de tantas lutas e decepções em lugares perigosos e ermos, com sua coragem e destemor, Almir Turisco de Araújo se dirigiu ao Interventor Federal Dr. Pedro Ludovico Teixeira na solicitação de uma ajuda para que pudesse, em Goiás, ter condições seguras de cuidar da mãe e das irmãs que eram suas dependentes; lembrando as lutas de seu irmão Tancredo, que dera a vida em combate em favor de Goiás.
No ano de 1940 foi, então, nomeado por Venerando de Freitas Borges para Sub-prefeito de Santo Antonio das Grimpas, hoje Hidrolândia. No ano seguinte foi removido para o mesmo cargo na cidade de Trindade e em 1942, exatamente no dia 19 de abril foi nomeado Prefeito Municipal de Anicuns, onde, de fato, deu provas de sua audácia, dinamismo e carisma, ao transformar em pouco tempo a pequena e histórica localidade.
No ano de 1942 casou-se em Trindade com a normalista, professora, pianista e escritora Ereny Fonseca de Araújo, natural de Itaberaí, filha de Benedito Garibaldi da Fonseca e Delmira de Faria Fonseca. Dessa união teve cinco filhos: Tancredo (falecido), Cristiana, Rosa, Edgard e Maria Sophia.
Ereny Fonseca foi a esposa ideal, carinhosa, meiga, fraterna e caridosa. Construiu um lar edificado em valores e medidas, traduzindo seus ideais de mulher de luta. Foi também telegrafista e professora e, mais tarde, funcionária da Assembleia Legislativa. Teve em suas cunhadas Brasília (Diaiá) e Esther, companheiras dedicadas para ajudar na criação dos filhos.
Depois de idosa, quando se dedicou ao piano, violão e literatura, publicou em 1997 um livro de memórias intitulado Histórias de uma vida. No seu centenário, compilamos ao lado de Rosa Maria Fonseca de Araújo, um livro biográfico, com o apoio do historiador Dr. Antonio Cesar Caldas Pinheiro para eternizar seu legado de amor e de luz.
Em Anicuns, o casal passou a viver a florescência da vida.
A profícua gestão de Almir Turisco de Araújo frente à Prefeitura de Anicuns foi inovadora em vários aspectos, principalmente no que concerne à estrutura administrativa da cidade. Construiu vários prédios; reformou outros tantos, melhorou o Grupo Escolar, definiu caminhos à autonomia administrativa da cidade, buscando torná-la financeiramente viável.
Também, deu ênfase à Usina de Força e Luz pioneira da cidade, construiu o edifício do Fórum local e criou a Escola Normal local e, também, fez intensa propaganda da fertilidade das terras da região, o que muito motivou a vida de investidores de pequenas fábricas e,ainda, da agricultura. Cuidou das estradas para Palmeiras de Goiás, Mossâmedes e até a Cidade de Goiás, assim como para os patrimônios de Poções (Turvânia), Tabocas (Avelinópolis) e Nazário, assim como Ruibarbo (Claudinápolis).
Ele foi a autêntica liderança e porta-voz da região do mato grosso goiano, tão sem líderes, naquele tempo.
Com o fim do Estado Novo, caiu a política de Pedro Ludovico e Almir Turisco assumiu o cargo de Inspetor de Rendas no governo do General Felipe Xavier de Barros e no governo de Jerônimo Coimbra Bueno perde o cargo por questões políticas, tempo em que não esmoreceu e adquiriu a Fazenda Santa Fé e montou uma empresa rural com engenho e alambique, quando passou a fabricar a conhecida cachaça “Dona Boa”, assim como rapadura, manuê e açúcar mascavo, largamente conhecidos na região. Também funda em Anicuns uma casa comercial para auxiliar na despesa familiar muito grande.
Em 1951 Pedro Ludovico reassumiu o poder e Almir Turisco de Araújo foi conduzido ao cargo de Fiscal de Rendas de toda a região do Mato Grosso Goiano, ao se tornar conhecido e amado. Tal fato o leva a ser candidato a Deputado Estadual, eleito em 1954 e reconduzido ao cargo por seus méritos, por mais dois mandatos.
No ano de 1955 transferiu-se para Goiânia com esposa, os cinco filhos e duas irmãs, quando passou a residir na Rua 04. Em 31 de janeiro de 1963 assumiu a presidência da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás num período de grande turbulência política.
Em 30 de abril desse mesmo ano, assume o Governo do Estado de Goiás, ficando no cargo até 04 de junho do mesmo ano, por 35 dias, tal fato em razão do governador Mauro Borges estar em vilegiatura pela Ioguslávia, Israel, Japão e União Soviética.
Esse momento vivido por Almir Turisco de Araújo foi o mais turbulento no âmbito Federal, quando se colocou frontalmente contra o governo de João Goulart e com a expulsão de Mauro Borges e a instalação da Ditadura, posicionou-se ao lado de Pedro Ludovico e de seu partido, mesmo por prejuízo próprio para não trair seu partido; coisa tão rara hoje, com um verdadeiro pula-pula de candidatos por partidos, conforme a situação e em benefício próprio. Era o tempo da lealdade a todo custo, mesmo que viessem dias sombrios…
Coube a Almir Turisco de Araújo a espinhosa missão conferida a ele pelo General Meira Mattos de estabelecer as negociações com o PSD ao visar o afastamento definitivo de Mauro Borges sem derramamento de sangue, certo é que a Revolução não consentiria o seu retorno após a intervenção. Almir Turisco com diplomacia executou esta dificílima missão de pólo de ligação entre as bancadas estadual e federal e o chefe do partido de um lado e do outro o Interventor, representando aquela mesma revolução.
Como um grande homem de bem e de paz, conseguiu ele o seu intento, embora todos os entraves da época.
Com o término da difícil missão ocorreu em 08 de janeiro de 1965 a eleição por um ano para completar o mandato de Mauro Borges do novo governador do Estado. Almir Turisco é eleito vice-governador na chapa do Marechal Ribas; porém, por sua acurada visão, percebeu ser apenas figurativo o cargo em questão, não o levou adiante. Tentou eleição para Deputado Federal, mas não se elegeu, apesar do número expressivo e redondo de 13 mil votos. Ficou como segundo suplente e passou a dedicar-se às funções particulares em sua fazenda Santa Fé em Anicuns.
Construiu em 1952 pelo IPASE, com prestações de 15 anos, a sua casa residencial, um belo sobradinho na Rua 19, no centro de Goiânia. Pagou por muitos anos essa casa, como prova de honestidade dos políticos daquele tempo.
Nessa época, representou Goiás em vários congressos e seminários pelo País. Na Assembleia Legislativa de Goiás assumiu postos além da Presidência como Primeiro Secretário (1955), Vice presidente (1960), Líder da Bancada (1967), Presidente da Comissão de Finanças (1961), Presidente da Comissão de Redação (1964-1966).
Como Deputado Estadual aprovou diversas melhorias para Goiás, notadamente para a região do Mato Grosso goiano como a emancipação de cidades como Avelinópolis, Turvânia, Maiporá, Novo Brasil e Jussara. A criação de ginásios em Trindade, Corumbaíba, Nazário, Fazenda Nova, Aurilândia e Anicuns. A criação de grupos escolares em dezenas de cidades, assim como emendas na área da agricultura e pecuária, notabilizando a valorização de nosso gado e de nossas riquezas em grãos.
Na CELG também deu provas de sua sabedoria e gestão, conduzindo com lealdade e honestidade as suas funções.
E assim passou sua vida. Envelheceu, enviuvou, mas não perdeu o brilho próprio. Viveu bem em sua casa, acolhido pelo amor dos filhos e netos. E assim foi até o fim.
No seu livro “Um filho de Macaúbas”, aparece o caminhar de seus passos nas estradas da vida, a contar de todos os seus feitos e enfrentamentos desde a juventude.
Seu maior exemplo é de que a vida é uma luta. Lutou ele com todas as forças para sobreviver num tempo de dificuldades.